Silvio Santos Vem Daqui
"Silvio, desse jeito você não vai ser ninguém na vida. Só pensa em futebol"
Por ironia do destino, essa era a frase que Senor Abravanel, aos 12 anos, ouvia diariamente de sua professora de 5ª série, Maria Lourdes Bruce, da Escola Primária Celestino da Silva, na Rua do Lavradio, Centro do Rio. A ladainha era sempre a mesma, já que Silvio gostava mais de falar do que de estudar. Era comum ver o menino contar histórias para os alunos sobre a atuação dos times de futebol. Silvio é torcedor do Fluminense.

As travessuras de Cenourinha – apelido dado por colegas de Silvio, pelo diminutivo de Senor – não se limitavam à sala de aula. Sua mãe, Rebecca Abravanel, vivia atrás do menino, com chinelo na mão, pelas ruelas da Vila Rui Castro, na Travessa Bentevi, no Centro, onde ele nasceu.
O temperamento intempestivo de Rebecca vem do sangue. Turca, trazia a rédeas curtas Silvio e os outros cinco filhos (Beatriz, Sara, Leon – ou Léo –, Perla e Henrique). Rebecca conheceu o pai de Senor no Rio. Alberto Abravanel deixou a Grécia, onde nasceu, fugindo do serviço militar. Procurou refúgio na França, mas acabou preso em flagrante e expulso por trabalhar como camelô. No mar de incertezas, o jovem embarcou em um navio para o Brasil, onde acabou constituindo a família Abravanel.
Desde os 12 anos, nos cinemas da Cinelândia, ele e o irmão Léo entravam pela saída das sessões, para não pagar ingresso. “No Odeon, nós nos infiltrávamos entre o público que saía e caminhávamos em sentido contrário, andando para dentro do cinema”, contou Silvio. O cinema realmente fascinava Silvio. Ainda mais a série O Vale dos Desaparecidos, todas as quintas-feiras, no extinto Cine OK. Era a única sessão em que ele pagava para entrar. “Não podíamos correr o risco de não poder entrar de carona (…). No Cine OK, nossa pilantragem não dava certo, porque o porteiro e o guarda de serviço já nos conheciam”, recorda Silvio, no livro.
Foi numa dessas tardes de quinta-feira que a estrela de Silvio começou a brilhar. Gripado e com febre alta, ele foi impedido pela mãe de sair de casa para assistir a seu seriado preferido. Ficou arrasado e chorou. Mas a palavra da mãe prevaleceu. Pouco depois, ele descobriu que havia escapado da morte. O Cine OK pegou fogo e muitos espectadores ficaram feridos. Foi o primeiro de uma série de golpes de sorte na vida de Silvio.
Silvio Santos antes de ser Patrão
Aos 14 anos, Silvio Santos decidiu ganhar a vida como camelô.
Comprou uma carteira para guardar título de eleitor e saiu pela rua dizendo que era a última. Vendeu de imediato. Com o lucro, comprou mais duas peças. “É a última”, alardeava, escondendo a outra no bolso. Esperto, o garoto havia descoberto o filão na Avenida Rio Branco. Há dias observara os camelôs em ação. Queria encontrar uma maneira de ganhar dinheiro, sem muito esforço.
Foi então que decidiu apostar na carreira de camelô, profissão também ilegal naquela época. Era preciso, antes de tudo, atrair a atenção do público. Falar do produto, de suas funções e, só no fim, do preço. Usou até manipulações de moedas e baralhos para atrair novos fregueses. Com alguns dias de experiência, passou a vender mais que os outros camelôs “veteranos”. Chegou a ganhar cinco salários mínimos por dia. E tudo isso no horário do almoço do rapa.
O diretor de fiscalização da prefeitura, Renato Meira Lima, não prendeu Silvio, como fez com os outros camelôs. Decidiu dar uma chance ao rapaz, que tinha uma aparência melhor do que os colegas, falava bem e tinha boa voz. Em vez de levá-lo para a delegacia, Renato entregou-lhe um cartão para tentar um emprego na Rádio Guanabara. Mais uma vez, a sorte lhe batia à porta.
Na emissora, Silvio disputou uma vaga com outros 300 candidatos. Entre eles estavam nomes que despontariam na vida artística, como o dos humoristas Chico Anysio e José Vasconcellos (o gago Ruy Barbosa, da Escolinha do Barulho, na Rede Record). Acabou abocanhando o primeiro lugar. Mas a carreira na Rádio Guanabara durou apenas um mês. Como camelô, Silvio ganharia mais, trabalhando bem menos.
Silvio só trocou as ruas por um outro serviço quando ingressou no Exército. Ao completar 18 anos, escolheu a Escola de Pára-quedistas, em Deodoro. E como a ‘cana’ militar seria mais dura, caso fosse preso pelo rapa, Silvio tomou uma decisão: voltou a ser locutor, desta vez na Rádio Continental, em Niterói.

Nas idas e vindas enfadonhas das barcas da Cantareira, o locutor teve outra idéia: montar um serviço de alto-falantes. O jovem locutor fazia anúncios nos intervalos das músicas. Mais tarde, percebeu que, nas travessias para Paquetá, os passageiros costumavam dançar quando ligava o equipamento de som. Cansados, formavam até fila para beber água no bebedouro. Oportunista, Silvio fez acordo com a Antarctica para vender cerveja e refrigerante na viagem. Quem comprasse uma bebida, recebia uma cartela de bingo. Como prêmio, oferecia bolsa de plástico, jarra e quadro da Última Ceia.
Ele garante ter passado a ser o primeiro freguês da cervejaria no Rio. E acabou fazendo amizade com um diretor da empresa. Quando a barca sofreu um acidente e precisou ficar no estaleiro, Silvio foi convidado pelo diretor para passar uma temporada em São Paulo. Mais uma vez, abriu-se a porta da esperança e sua vida mudou ainda mais.
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